Sabemos como às vezes é difícil modular a conduta de uma criança e desenvolver habilidades socioemocionais, especialmente quando a criança está tendo dificuldades para regular suas emoções. Às vezes acreditamos que a maneira de fazer isso deveria ser sempre com uma atitude mais séria e racional por parte do adulto. No entanto, o jogo permite nos relacionarmos a partir da própria lógica das crianças pequenas para ir desenvolvendo essas habilidades de forma progressiva, sem tanto dramatismo e com muita conexão.
Na nota anterior (A função do jogo no desenvolvimento integral da criança: ideias para brincar com nossos filhos), mencionamos os múltiplos benefícios e que quando falamos de jogo não estamos falando apenas de diversão. De acordo com o Center on The Developing Child de Harvard, o jogo tem 3 grandes funções que são essenciais para o nosso desenvolvimento.
1. Apoia as relações entre cuidadores e crianças, convidando-os a interagir de uma forma que seja natural entre eles.
2. Fortalece habilidades básicas para a vida: por meio do jogo, a criança explora novas possibilidades e aprende a se relacionar com o mundo de forma cada vez mais complexa e integrada. O jogo permite que a criança aprenda a se relacionar com os outros e entender os limites sociais, conhecer as regras do jogo e segui-las, ir focando a atenção, planejar e ser flexível.
3. Reduz as fontes de estresse: Permite-nos “praticar” as principais habilidades que permitem enfrentar uma situação e modificá-la sob um estresse tolerável para não se sentir ameaçado. E assim melhoramos a adaptabilidade de uma criança a uma condição estressante, promovendo o funcionamento cognitivo, socioemocional e psicomotor, fortalecendo sua capacidade de lidar com desafios mais complexos.
Também foi possível pesquisar que o jogo, além de reduzir o estresse, tem uma importante função regulatória, ajudando os cuidadores principais a ler melhor os sinais do que uma criança está sentindo e pensando, promovendo o prazer, uma atitude positiva diante dos desafios e acompanhando a criança a transitar melhor por momentos de maior ou menor tolerância, ativando a calma e a segurança.
Brincar nos abre a possibilidade de usar todas as nossas ferramentas naturais para a construção do nosso cérebro socioemocional. Algumas pesquisas mostram que o jogo confere um elemento “acelerador” que ajuda a ativar e programar as regiões do cérebro que estão relacionadas com a nossa conduta emocional, depois da realização de uma atividade lúdica.
Finalmente, o jogo permite-nos “ensaiar” novos padrões de conduta diante de uma possível desregulação emocional, mas em um contexto que as crianças encontram seguro e amigável. Um exemplo disso é o que foi visto sobre como os esquimós (Inuítes) aprenderam a controlar sua raiva. Eles praticavam com as crianças o controle da força e podiam raciocinar sobre as consequências de um golpe de maneira antecipada e lúdica em uma situação em que não havia raiva real e em momentos em que seu filho conseguia se autorregular e entender por meio da razão. Assim, através do jogo “como se fosse uma situação real” preparavam seus cérebros para responder com condutas mais apropriadas quando não pudessem ser capazes de se autorregular facilmente.
O que podemos “ensaiar como se realmente acontecesse” de acordo com cada idade e nível de desenvolvimento?
Sabemos, por exemplo, que de 0 a 24 meses a tolerância progressiva à ausência do cuidador em certos momentos de separação pode ser muito angustiante e desreguladora, porém, por meio de jogos, a criança pode começar a descobrir que o adulto responsável pode estar presente mesmo que esteja em outra parte da casa ou tenha saído por um minuto, tornando suas emoções mais toleráveis quando a ausência for mais longa.
Isso pode ser ensaiado por meio de diversos jogos como se o adulto tivesse desaparecido, mas em um contexto absolutamente controlado e lúdico, reforçando a segurança por meio de brincadeiras do tipo “está-não está” (peekaboo), brincar de esconde-esconde de forma simples ou desaparecer atrás da porta, que permitem tolerar a sensação emocional de que seu cuidador não está presente, criando emoção e fascínio a cada vez que aparece, reforçando a garantia de que “eu sou uma pessoa, você é outra e gosta de mim”. Quando o contato é restabelecido, o riso mútuo dá às crianças uma maravilhosa sensação de serem amadas, queridas e valiosas, proporcionando autoafirmação e proximidade.
É por isso que não podemos privar as crianças do jogo: proporcionemos oportunidades suficientes, seguindo os ritmos da criança e confiando que existe um plano de desenvolvimento social e mental que permite novas experiências de acolhimento, na medida em que vão crescendo e se desenvolvendo. Acelerar as etapas do jogo não é o objetivo, e eles aprenderão a escolher por si próprios o que precisam para se sentir seguros.